O milho ocupa a segunda maior área plantada no Brasil quando se trata de produção de grãos, ficando atrás apenas da soja. Segundo estimativas da Conab, divulgadas em dezembro de 2024, a área cultivada com milho na safra 2024/25 deve alcançar 20,98 milhões de hectares, enquanto a soja deve ocupar 47,37 milhões de hectares.
De acordo com o relatório Radar Agro de setembro de 2024, do Itaú BBA, o consumo interno de milho no Brasil deve atingir 83,3 milhões de toneladas, um crescimento de 5% em relação a 2023. Do total produzido no país, aproximadamente 67% são destinados à ração animal, 21% à produção de etanol e 12% a outros usos, como indústria e sementes. O Mato Grosso (MT) se destaca como o estado com a maior área plantada. Na safra 2023/24, foram cultivados cerca de 7,05 milhões de hectares com o cereal.
Além da alimentação humana e animal, o milho tem ganhado destaque na produção de etanol, um mercado em forte expansão. Para a safra 2024/25, o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) projeta que o estado produzirá 6,30 bilhões de litros de etanol, um aumento de 10,03% em relação à safra anterior. Do volume total produzido no estado, 1,088 bilhão de litros terá origem na cana-de-açúcar, enquanto 5,207 bilhões de litros virão do milho, representando cerca de 80% da produção nacional de etanol a partir do cereal.
A partir da expansão do mercado e o aumento do custo de produção, justifica-se ainda mais os cuidados sobre a produtividade, influenciada por diversos fatores, classificados em bióticos (resultando da interação da planta com organismos vivos, como insetos, fungos, etc) e abióticos (relacionados ao clima, temperatura, umidade, nutrição, etc).
Entre os fatores bióticos, as doenças representam um impacto significativo na produção. Nesse contexto, a preservação das condições fitossanitárias das lavouras, tanto da parte foliar quanto dos grãos, é essencial. Quando os grãos são afetados pela presença de patógenos, são chamados de “grãos ardidos”.
Juntamente com as perdas diretas na produtividade, a alta incidência de grãos ardidos pode causar fermentação dos grãos, alterar o sabor e o odor do produto final, além de aumentar o risco de contaminação por micotoxinas – substâncias prejudiciais à saúde humana e animal –, restringindo a comercialização do milho.
A ocorrência de grãos ardidos resulta da interação entre fatores bióticos e abióticos. O plantio de cultivares suscetíveis, alta densidade populacional, danos causados por insetos e deficiências nutricionais podem favorecer o problema. Entre as principais doenças associadas, destacam-se aquelas causadas por fungos, como a podridão branca da espiga (Stenocarpella maydis e Stenocarpella macrospora), a podridão rosada da espiga (Fusarium spp.) e a podridão vermelha da ponta da espiga (Giberella zeae).
O desenvolvimento desses fungos é favorecido por condições climáticas específicas, como temperaturas elevadas e grandes variações térmicas durante a floração e o enchimento dos grãos. Além disso, alta umidade relativa e chuvas na fase de maturação do milho estimulam a germinação dos esporos e sua penetração nos tecidos da planta. Ventos fortes também contribuem para a disseminação dos fungos, aumentando a incidência das doenças.
As espécies de Fusarium são adaptáveis a uma ampla faixa de temperaturas, mas seu desenvolvimento é mais rápido em condições moderadas a altas, entre 25 °C e 30 °C. Embora temperaturas mais baixas possam retardar o crescimento, elas não impedem completamente a sua progressão. Como mencionado anteriormente, alta umidade relativa e precipitações favorecem a germinação dos esporos e a penetração dos fungos nos tecidos da planta, sendo a presença de água livre na superfície essencial para a infecção.
Gupta et al. (2010), ao avaliar o crescimento in vitro de Fusarium spp. sob diferentes temperaturas, concluíram que o crescimento micelial é mais eficiente a 28 °C, enquanto a esporulação atinge seu pico a 34 °C.
Assim como Fusarium spp., Stenocarpella spp. também se desenvolve em uma ampla faixa de temperaturas, mas temperaturas mais elevadas tendem a estimular seu crescimento e esporulação. Além disso, alta umidade relativa e períodos prolongados de molhamento foliar criam condições ideais para a proliferação desse fungo. No entanto, Stenocarpella é mais resistente a períodos de seca em comparação com Fusarium.
Os fungos Stenocarpella spp. são necrotróficos e possuem uma fase saprofítica, sobrevivendo nos restos culturais do milho. Nesses materiais, eles formam picnídios (imagem 1), estruturas que produzem e liberam cirros, a principal fonte de inóculo primário para novas infecções causadas por esse fitopatógeno, segundo Casa, Reis e Zambolin (2006). Esses autores também concluíram que temperaturas entre 30 °C e 35 °C sob luz contínua resultaram em maiores taxas de liberação de cirros por Stenocarpella spp.. Esse achado sugere que períodos prolongados de luminosidade favorecem a sobrevivência do fitopatógeno.
As espécies S. maydis e S. macrospora (Imagem 2) podem infectar bainhas, colmos e espigas. Apenas S. macrospora é capaz de causar danos às folhas, tornando a doença mais agressiva. Isso ocorre devido à intensa produção de inóculo sobre as lesões foliares, que eleva o potencial de infecção do colmo e da espiga (Latterell & Rossi, 1983).
No caso da podridão branca da espiga, os primeiros sintomas surgem, predominantemente, na base, logo após a fecundação. As brácteas tornam-se despigmentadas, adquirindo uma coloração parda. Quando a infecção ocorre cerca de duas semanas após a polinização, toda a espiga pode apodrecer, apresentando coloração que varia de pardo-cinzenta a esbranquiçada (Imagem 3). Nessas condições, a espiga fica enrugada, leve e com as palhas internas fortemente aderidas umas às outras ou aos grãos, devido ao crescimento do micélio do fungo (Casa, 2006).
A infecção nas espigas resulta em uma redução no potencial produtivo, pois os grãos se deterioram, tornando-se leves e adquirindo uma coloração marrom clara (imagem 4). Esse problema compromete a qualidade do milho, além de prejudicar sua qualidade nutricional e palatabilidade.
O Fusarium spp sobrevive nos restos de cultura de um ano para o outro. A infecção ocorre principalmente por ação do vento e respingos de chuva. Condições de alta precipitação pluviométrica, combinadas com temperaturas acima de 22 °C, favorecem o processo de infecção nas espigas. Além disso, fatores como danos causados por insetos, espigas mal empalhadas com palhas frouxas, espigas não decumbentes e adubações desbalanceadas — com níveis elevados de nitrogênio e baixos de potássio — também contribuem para o aumento da infecção. Embora o fungo possa infectar as sementes, a doença não é transmitida para plantas provenientes de sementes infectadas (Galvão, 2004).
A podridão rosada, causada por Fusarium spp., afeta as espigas, que apresentam grãos de coloração avermelhada, os quais podem estar distribuídos isoladamente ou agrupados ao longo da espiga (imagem 4 - acima).
À medida que a doença avança, o fungo se desenvolve, cobrindo os grãos infectados com um micélio cotonoso de coloração rosada. Em condições típicas de safrinha, na região central, é comum que alguns grãos apresentem estrias brancas no pericarpo, formadas pela ação do fungo. Essas estrias começam no ponto de inserção do estigma e se estendem até a extremidade do grão (imagem 5).
A interação entre Fusarium spp. e Stenocarpella spp. pode ocorrer, resultando em efeitos sinérgicos que aumentam a severidade da doença. Os grãos infectados apresentam redução no peso, perda de viabilidade e contaminação por micotoxinas. A podridão da espiga pode causar uma redução significativa no rendimento da cultura, impactando diretamente a produtividade e a rentabilidade dos agricultores.
Inclusive, em alguns casos, os sintomas de podridão rosada da espiga (Fusarium spp.) e Stenocarpella spp. podem ser confundidos, levando a equívocos no diagnóstico. É importante atentar-se, nestas situações, à coloração que tende a ser mais rosada e à ausência de picnídeos, indicando que os sintomas são de Fusarium spp. (imagem 6).
A podridão vermelha da espiga, mais comum em regiões de maior altitude, é causada pelo fungo Giberella zeae. A infecção e os sintomas típicos geralmente começam na ponta da espiga e progridem em direção à base, acompanhados por uma massa cotonosa de coloração avermelhada. O fungo também pode colonizar a palha da espiga, permanecendo aderido a ela (imagem 7).
Uma lavoura bem nutrida, com a população adequada e manejada com práticas fitossanitárias apropriadas, tende a apresentar menor incidência de grãos ardidos. Diversas estratégias têm sido testadas, com melhores resultados aquelas que envolvem o uso de fungicidas, adubação balanceada de nitrogênio (N) e potássio (K), escolha da época de plantio, rotação de culturas e a tolerância genética dos híbridos.
Em ensaios realizados pela equipe da Pioneer®, foi observada uma grande influência da relação nitrogênio/potássio (N/K). Esse resultado sugere que o potássio tem um impacto direto na redução da incidência de grãos ardidos, mas apenas até atingir um nível equilibrado com o nitrogênio (Gráfico 1).
Valores seguidos da mesma letra para cada variável não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5%.
Acima do nível de equilíbrio na relação N/K, foram observados aumentos na incidência de grãos ardidos, relacionados ao desequilíbrio entre os nutrientes. Para a produtividade, também foi observada uma resposta positiva até o ponto de equilíbrio entre os nutrientes, confirmando que a relação N/K mais equilibrada é a mais rentável do ponto de vista produtivo.
O uso de fungicidas tem mostrado bons resultados no manejo de grãos ardidos. Estudos anteriores indicam que o uso de Estrobilurinas e Triazóis, quando associados a um protetivo e aplicados principalmente próximo ao pendoamento do milho, contribui para a redução da incidência de grãos ardidos. Mais recentemente, o uso de Carboxamidas na cultura do milho, especialmente em torno do pendoamento (VT) e em combinação com um protetivo, tem mostrado resultados promissores, tornando as Carboxamidas uma excelente ferramenta no manejo de grãos ardidos.
Vale ressaltar que nenhuma ação isolada será capaz de reduzir completamente a incidência de grãos ardidos. O uso de fungicidas, as doses e épocas de aplicação adequadas, a adubação equilibrada (principalmente a relação N/K) e o plantio em épocas mais favoráveis ao híbrido contribuem para diminuir a incidência de grãos ardidos. Portanto, o planejamento de um manejo integrado, que combine diversas estratégias de controle, pode ser um grande diferencial, especialmente quando o inóculo do patógeno for elevado.
Autor: Alcides Gremes Ita – agrônomo de campo Pioneer®.
CONAB - COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Site_PREVISAO_DE_SAFRA-POR_PRODUTO-DEZ-2024_Conab_safra 2024-25
CASA, Ricardo T.; REIS, Erlei M.; ZAMBOLIM, Laércio. Doenças do milho causadas por fungos do gênero Stenocarpella. Fitopatologia Brasileira, v. 31, p. 427-439, 2006.
Gupta, Vijai, Ashok Misra e Rajarshi Gaur. "Características de crescimento de Fusarium spp. causando doença de murcha em Psidium guajava L. na Índia." Journal of Plant Protection Research (2010).
Vijai Kumar Gupta, Ashok Kumar Misra, Rajarshi Kumar Gaur: Growth Characteristics of Fusarium SPP. Causing Wilt Disease in Psidium Guajava L. in India. Journal of Plant Protection Research. Vol. 50, No. 4 (2010).
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