Para que o manejo de qualquer praga seja eficiente e cumpra com o objetivo de evitar perdas de produtividade, é preciso ter em mente que é essencial ter um conhecimento mínimo do agente biológico que está ocorrendo no campo. Entre os fatores mais importantes que podem contribuir para uma boa intervenção, no caso de ácaro na cultura do milho, temos que saber fazer o reconhecimento correto da praga, conhecer sua biologia, potencial biótico, hábitos, nível de dano econômico (NDE), condições ambientais favoráveis, sintoma e estádio suscetível da cultura ao ataque do ácaro, principais espécies que ocorrem na cultura do milho e manejo da lavoura que contribui para o aparecimento de ácaro. Vejamos detalhadamente cada um dos itens:
Os ácaros são organismos muito pequenos e medem entre 0,15 e 0,50 mm (Figura 1), porém, o tamanho varia de acordo com a espécie e, muitas vezes, podem ser confundidos com alguns insetos que ocorrem na cultura do milho, tais como “pulgão-do-milho” (Figura 2), “mosca-branca” (Figura 3) e, especialmente, os tripes, que medem entre 1 e 3 mm (Figura 4) apresentando tamanho muito similar ao dos ácaros em fase jovem, além de também ficarem alojados na parte inferior da folha, lugar preferido dos ácaros. Por esse motivo, muitas vezes os ácaros são classificados erroneamente na classe Insecta. No entanto, os ácaros pertencem à classe Arachnida, juntamente com as aranhas, escorpiões, carrapatos e demais crustáceos.
Embora a identificação da espécie do ácaro geralmente não poder ser realizada em condições de campo, devido a necessidade de conhecimento taxonômico e de equipamento especial, é bastante fácil fazer a distinção entre um ácaro e um inseto. Essa separação pode ser feita com uma lupa de mão observando as seguintes características: se o organismo que foi encontrado na área tiver o corpo dividido em três segmentos (cabeça, tórax e abdome), e houver a presença de um par de antenas, dois pares de asas e três pares de pernas, trata-se de um inseto. Já se o organismo que está presente no campo tem o corpo indiviso, 4 pares de pernas, ausência de asas e antenas, e olhos compostos, estamos falando de uma espécie de aracnídeo, ou seja, de um ácaro.
Em situações de alta infestação com ácaro, o reconhecimento pode ser feito com a observação de fios de teia presentes nas estruturas da planta, uma das principais características dos ácaros. Obviamente que a identificação em nível de gênero/espécie do ácaro, somente é possível com coleta de material e envio para um especialista porque cada espécie de ácaro apresenta uma particularidade.
É importante ressaltar que nem sempre serão encontradas todas às características citadas acima tanto para os insetos quanto para os ácaros. Dependendo do estádio de desenvolvimento ou da espécie, algumas das estruturas citadas podem estar ausentes ou em fase de desenvolvimento.
A identificação correta, não somente dos ácaros, mas de uma maneira geral, de todas as pragas que ocorrem na cultura do milho são importantes, devido a vários aspectos:
a) Para cada praga existe um nível de dano econômico, desta forma é preciso saber qual a intensidade do ácaro ou do inseto que justifique uma medida de controle;
b) Para cada grupo de insetos que ocorrem na cultura do milho, há inseticidas diferenciados porque a resposta de controle está associada com o grupo ao qual o inseto pertence. Por exemplo: um produto que tem efeito para os lepidópteros como a “lagarta-do-cartucho” Spodoptera frugiperda (J.E. Smith) (Noctuidae), pode não ter ação contra os hemípteros como o “percevejo-barriga-verde” Dichelops furcatus (Fabr.) (Pentatomidae). Pensando em ácaro, que pertence à classe Arachnida, fazer uma aplicação de inseticida, provavelmente será uma intervenção inadequada, pois o correto deveria ser a aplicação de acaricida ou de um inseticida-acaricida;
c) Outro ponto importante é que a tomada de decisão em fazer uma aplicação de inseticida com a hipótese de ser um determinado organismo e, na verdade ser outro, poderá acarretar no desequilíbrio biológico do campo. Deste modo, pragas que estavam sendo mantidas em equilíbrio pelos seus inimigos naturais, com a eliminação dos mesmos, podem se tornar um problema;
d) Observação de campo mostra que após o uso consecutivo de produtos não seletivos e/ou de amplo espectro, principalmente os piretróides, os problemas com ácaros passam a ser mais visíveis. Isso tem uma explicação: muitas vezes a população de ácaros fitófagos e ácaros predadores estão em equilíbrio. Com a aplicação de inseticida parte dos ácaros fitófagos são eliminados, porém, a mortalidade geralmente é muito maior nos ácaros predadores. E por que isso acontece? Os ácaros predadores são de porte maior que os ácaros fitófagos e, por isso, se contaminam mais facilmente. Os ácaros predadores precisam se movimentar na planta em busca da sua presa que são os ácaros fitófagos e, por este motivo, acabam se expondo mais ao produto, o que consequentemente leva a uma maior mortalidade dos mesmos. Além disso, os ácaros predadores apresentam um potencial biótico, ou seja, capacidade de multiplicação inferior aos ácaros fitófagos e, por isso, quando quebrado esse equilíbrio entre ácaro fitófago e predador, o seu reestabelecimento demora um determinado tempo, exigindo que seja feita intervenção com produto recomendado para a população de ácaro fitófago, para que assim, não venha a acarretar perdas de produtividade.
Os ácaros apresentam 5 estágios distintos. Ovo, larva, protoninfa, deutoninfa e adulto. Na protofinfa e deutoninfa, o ácaro está na transição para a fase adulta e, nesse momento, ele possui apenas 3 pares de perna. O tempo de duração entre ovo e adulto, o qual chamamos de ciclo biológico, é de aproximadamente 10 dias em condições de temperatura de 26°C, sendo 3 dias para período embrionário, e 6 a 7 dias para as fases de larva, protoninfa e deutoninfa, porém isso pode varia com a espécie. Portando, em geral a cada 10 dias se completa uma nova geração.
Os ácaros, de modo geral, apresentam uma alta capacidade de multiplicação. Uma única fêmea pode colocar em média 150 a 200 ovos no seu ciclo de vida adulto, que pode ter uma longevidade entre 10 e 15 dias. Somente para enfatizar essa característica dos ácaros (potencial biótico), como exemplo, o período de uma geração da “lagarta-do-cartucho”, ovo a adulto, tem uma duração de 25 a 30 dias nas condições de temperatura de 26°C. Nas mesmas condições de temperatura, nesse mesmo período, podemos ter quase três gerações de ácaro. Isso explica por que hoje estamos numa lavoura e não percebemos a presença do ácaro ou por que a praga está em quantidade baixa e, uma semana depois, a lavoura está totalmente tomada.
Em condições adversas, principalmente no frio, a colônia se mantem viva por meio de “fêmeas de inverno” ou “posturas de inverno”. Isso é um mecanismo de sobrevivência. Quando as condições climáticas são reestabelecidas, a colônia volta a se multiplicar. Nessa fase as fêmeas e/ou postura de inverno apresentam coloração diferente de quando as condições ambientais estão normais. Dessa maneira, os ácaros passam de uma safra para a outra. Os ácaros ficam alojados geralmente na parte inferior da folha aonde tecem fios de teias para proteger a colônia e depositar seus ovos. Esse hábito é um dos principais fatores limitantes para o controle químico dos mesmos, pois nem sempre a tecnologia de aplicação empregada consegue superar esses obstáculos.
O nível de dano econômico é definido com base no custo de controle da praga, ou seja, custo do inseticida, equipamento e do operador com base no valor de produção. Outra maneira de descrevermos o NDE é através da densidade populacional da praga que causa prejuízo na cultura igual ou superior ao custo do seu controle (PEDIGO & RICE, 2006). No Brasil, os estudos sobre a ocorrência de ácaro em milho ainda são bastante restritos, e não estão definidos quais são as principais espécies que ocorrem na cultura do milho e qual o nível de dano econômico para a cultura. A espécie Oligonychus pratensis (Banks) (Tetranychidae) e o gênero Tetranychus são citados como pragas na cultura do milho no território Americano e México, respectivamente (PEREIRA et al., 2009). São poucos os relatos de surtos populacionais de ácaros sobre plantas de milho no Brasil que comprometem economicamente a produção, embora esse problema esteja aumentando gradativamente nos últimos anos e mereça atenção.
Poderíamos perguntar: além do dano direto, o ácaro não poderia ser um transmissor de doença? No território Americano, a espécie Aceria tulipae (Keifer) (Eriophyidae) é o vetor do vírus raiado do trigo que pode ocorrer no milho também nas principais regiões produtoras da cultura nos Estados Unidos, porém, não há relatos de ocorrência dessa virose no Brasil na cultura do milho.
Os ácaros são organismos encontrados em todos os locais acessíveis à vida animal, tais como solo, penas, poros da face, correntes de água, lagos, oceanos, órgãos internos de vertebrados e na maioria das plantas. É um micro organismo muito especializado. Um dos principais fatores do aparecimento de ácaro está associado às condições ambientais favoráveis, isto é, especialmente na cultura do milho, períodos mais secos com baixa precipitação: menor precipitação e menor efeito físico da chuva sobre os ácaros podem resultar em uma maior viabilidade de ovo, fases imaturas e maior longevidade dos adultos. A chuva exerce um efeito negativo nas principais pragas e é bastante comum ver, em períodos de seca, maior dano de lagartas – tanto em milho quanto em soja – do que em períodos chuvosos. Isso se aplica também para os ácaros que atacam a cultura do milho.
Os ácaros fitófagos (que se alimentam de plantas) possuem um aparelho bucal formado por quelíceras modificadas em formato de estilete. O ácaro utiliza esse aparelho para perfurar as estruturas da planta, e para se alimentar do líquido celular. Posteriormente as folhas ficam com pontuações de coloração clara na superfície, recebendo um aspecto amarelado (Figura 5). A parte inferior das folhas fica, geralmente, com uma coloração esbranquiçada (Figura 6). Em função disso, a parte atacada reduz a capacidade de fotossíntese (absorção de luz). Dependendo da intensidade do ataque podem surgir áreas necrosadas.
Devido a carência de estudos, não há um estádio crítico definido em que os ácaros podem causar maior dano na cultura do milho. No entanto, ataques mais precoces podem intensificar os danos, embora haja uma tendência dos ácaros a colonizarem as plantas de milho a partir do início do florescimento.
As principais espécies de ácaros que ocorrem na cultura do milho são: “microácaro-da-face-inferior”, Catarhinus tricholaenae (Keifer) (Diptilomiopidae); “microácaro-de-ambas-as-faces-das-folhas”, Aceria zeala (Keifer) (Eriophyidae); “ácaro-rajado”, Tetranychus urticae (Koch) (Tetranychidae) (Figura 7); “ácaro-verde”, Oligonychus zeae (McGregor) (Tetranychidae); Aceria tosichella (Keifer) (Eriophyidae) (PEREIRA et al., 2009). No entanto, podem existir outras espécies ocorrendo que ainda não foram identificadas.
O que podemos chamar de manejo inadequado?
O excesso de adubação nitrogenada. O excesso de nitrogênio na planta aumenta a disponibilidade de aminoácidos livres. Em outras palavras, maior oferta de alimento para os ácaros. Isso também é válido para as demais pragas que ocorrem na cultura do milho. Planta mal nutrida ou nutrida em excesso contribui para o aumento de pragas e doenças de maneira geral;
Uso excessivo ou inadequado de inseticida para o controle de outras pragas-chave da cultura do milho. Isto pode provocar um desequilíbrio na colônia de ácaros fitófagos em relação aos ácaros predadores e, desta forma, a população de ácaro praga atinge níveis bastante elevados.
No entanto, podemos nos perguntar em relação às tecnologias Bt. Com a introdução destas tecnologias, de maneira geral, houve uma redução no número de aplicações de inseticidas. Esse fato não poderia ter contribuído para o aumento ou a redução dos ácaros na cultura do milho?
Nos últimos 5 anos, após a introdução das tecnologias Bt, há sim uma percepção de que algumas pragas, antes consideradas secundárias, especialmente os insetos sugadores como o “pulgão-do-milho”, Rhopalosiphum maidis (Fitch) (Aphididae) e “cigarrinha-do-milho”, Dalbulus maidis (DeLong & Wolcott) (Cicadellidae), provavelmente antes suprimidas pelo uso de inseticidas para o controle de pragas chaves como a “lagarta-do-cartucho”, estão aumentando sua incidência ano após ano, principalmente a D. maidis.
Pensando em manejo inadequado, não poderíamos atribuir o aumento do aparecimento dos ácaros na cultura do milho à introdução das tecnologias Bt, pois essas tecnologias são específicas para o controle do complexo de pragas pertencentes aos lepidópteros (mariposas e borboletas). Alguns estudos mostram testes com ácaros fitófagos que foram alimentados com milho Bt, proteínas Cry1Ab e Cry1F, tiveram um desenvolvimento normal e, quando esses ácaros foram fornecidos como fonte de alimento para ácaros predadores, não houve alterações nos parâmetros biológicos, ou seja, tiveram um desenvolvimento normal. Isto significa que a tecnologia Bt (proteínas Cry1Ab e Cry1F) não interfere na cadeia alimentar dos ácaros fitófagos, que se alimentam das plantas Bt, e nem na cadeia alimentar dos ácaros predadores (FADINI et al., 2010).
O problema com ácaro é bastante estudado nas culturas do algodão, plantas ornamentais, morango, maçã entre outras. No algodão, o ácaro reduz o número de botões florais e qualidade da fibra. Em relação ao morango, o ataque diminui a fotossíntese e quando ocorrem altas infestações a produção é reduzida significativamente. Em plantas ornamentais, principalmente roseira, o ataque na folha acaba comprometendo o aspecto visual, além disso, reduz o número e tamanho dos botões florais. Em macieira os danos comprometem a fotossíntese e, principalmente, o aspecto visual dos frutos, reduzindo o seu valor comercial.
Para as culturas citadas, existe recomendação de manejo e nível de dano econômico. No entanto, para o milho, o ácaro é uma praga recente e as práticas de controle e nível de dano econômico não estão definidas. Em função disso, a primeira medida que devemos adotar é a prevenção, ou seja, evitar aplicações deliberadas de produtos de amplo espectro para o controle de outras pragas, para evitar o desequilíbrio das populações de ácaros fitófagos e predadores presentes na área. O reestabelecimento da harmonia entre ácaros fitófagos e predadores quando quebrada, demora um tempo, e na grande maioria das vezes, há a necessidade de fazer intervenção com produto químico. Outro ponto importante é fazer o monitoramento para ver se há presença de ácaro na área antes de fazer qualquer aplicação preventiva e analisar se no atual estádio da cultura há a necessidade de fazer o controle dos mesmos.
Para o monitoramento, sugere-se observar a época da ocorrência dos ácaros na cultura do milho em anos anteriores e em quais condições climáticas de cada região que os mesmos apareceram com maior frequência. E, por fim, quando houver a necessidade de intervenção química, usar produtos recomendados para ácaro e procurar usar uma tecnologia de aplicação UBV (ultra baixo volume), que geralmente é mais eficaz, devido as moléculas do produto atingirem a parte inferior da folha, onde a colônia de ácaro geralmente está localizada. Importante lembrar que em condições de estresse hídrico, os problemas podem se acentuar, o que exige mais atenção no monitoramento.
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Sugestões de assuntos que você queira ler no blog também são bem-vindos.
Josemar Foresti
Cientista na Pioneer®
FADINI, M.A.M.; MENDES, S.M.; ARAUJO, O.G.; WAQUIL, J.M. Os Ácaros São Pragas do Milho no Brasil. ISSN 1518-4277, Embrapa Milho e Sorgo. Sete Lagoas, MG. 2010.
PEDIGO, L.P.; RICE, M.E. Entomology and pest management. 5. Ed. New Jersey: Pearson, 2006. 749p.
PEREIRA, P.R.V.S.; NAVIA, D.; SALVADORI, J.R.; LAU, D. Occurrence of Aceria tosichella in Brazil. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasilia, v.44, n.5, p.539-542, 2009.