Manejo de Resistência de Insetos à tecnologia Bt: conhecer, entender e agir para manter a sua vantag

Lagarta na lavoura de soja
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Introdução

As plantas transgênicas resistentes a insetos expressam um ou mais genes da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), conhecida há quase um século por seu potencial bioinseticida de alta segurança a organismos não-alvo.

A tecnologia Bt presente em cultivares transgênicos de algodão, milho e soja promove nos tecidos vegetais a produção de proteína Bt, que é um bioinseticida altamente específico à fase imatura (larva ou lagarta) de alguns insetos-praga, mas sem toxicidade indesejável aos humanos, insetos polinizadores e inimigos naturais de pragas, animais vertebrados e plantas.

Lagarta-do-cartucho na planta de milho

Lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), um dos insetos-praga alvo de controle por milho Bt. Foto: Oscar Santos-Amaya

Devido à esta toxicidade específica da tecnologia Bt, ela não protege contra todos os tipos de insetos-praga. Nos cultivos Bt podem ocorrer, por exemplo, infestações por espécies de insetos naturalmente não suscetíveis ao bioinseticida Bt ou por populações de insetos-alvos que tornaram-se resistentes ao tipo de tecnologia Bt da cultivar.

Por isto, devemos usar a tecnologia Bt como parte de um sistema de manejo integrado de pragas, em que, sabiamente devemos incorporar o uso de outras tácticas de manejo de pragas para garantir a eficiência, durabilidade e os benefícios da tecnologia Bt ao produtor, consumidor, e ao meio ambiente.

Um grande desafio

Um dos grandes desafios da agricultura moderna no manejo insetos-praga é o surgimento de populações resistentes a inseticidas, sobretudo à tecnologia Bt. Trata-se de um fenômeno natural que ocorre porque qualquer inseticida, seja ele natural ou sintético, produzido pela planta Bt ou aplicado externamente, tende a eliminar os insetos suscetíveis e selecionar aqueles mais resistentes ao agente inseticida usado na lavoura.

Se ao reproduzir, esses insetos resistentes deixarem descendentes e houver repetidamente uso do mesmo tipo de inseticida, os insetos resistentes podem se tornar predominantes no agrossistema após algumas safras, isto é, a população da praga pode tornar-se composta em sua maioria por insetos resistentes selecionados pelo repetido uso de um mesmo inseticida ou cultivo de plantas produzindo tipos semelhantes de tecnologia Bt.

Na prática, este aumento da proporção de insetos resistentes na população de uma praga pode resultar em perda de eficácia de controle por um determinado inseticida ou cultivar com certa tecnologia Bt, que antes apresentavam adequada eficiência de controle da praga.

Em outras palavras, o cultivo de plantas Bt ou aplicação de um inseticida quando é usado repetidamente e em larga escala, naturalmente tendem a reduzir a eficácia deles e a levar a falhas de controle da praga com o passar das safras.

No Brasil, há predominância de clima tropical e constantes cultivos de algodão, milho e soja, em que muitas das cultivares possuem tecnologia Bt do mesmo tipo (tabela 1). Para aumentar o desafio, a mesma espécie de inseto-praga (por exemplo, lagartas Spodoptera, Helicoverpa e Chysodeixis) pode atacar duas ou mais culturas Bt, que costumam ser cultivadas adjacente e/ou sucessivamente em muitas regiões do país.

Cultura

Nome comercial
da tecnologia Bt

Proteína inseticida
(i.e., princípio ativo)

Empresa desenvolvedora
da tecnologia

Ano de aprovação
no Brasil

Milho

YieldGard (Y)

Cry1Ab

Monsanto

2007

 

TL

Cry1Ab

Syngenta

2007

 

Herculex (H)

Cry1F

Dow AgroSciences e
Pioneer®

2008

 

PRO, PRO2

Cry1A.105+Cry2Ab

Monsanto

2009, 2010

 

Viptera-MIR162, TL
Viptera

Vip3Aa, Cry1Ab+Vip3Aa

Syngenta

2009, 2010

 

PowerCore (PW)

Cry1A.105+Cry2Ab+Cry1F

Monsanto e Dow
AgroSciences

2010

 

Optimum Intrasect

Cry1Ab+Cry1F

Pioneer®

2011

 

PRO3

Cry1A.105+Cry2Ab+Cry3Bb

Monsanto

2011

 

Leptra (VYH)

Vip3Aa+Cry1Ab+Cry1F

Pioneer®

2015

Soja

Intacta

Cry1Ac

Monsanto

2010

Algodão     

Bollgard I

Cry1Ac

Monsanto

2005

 

Widestrike (WS)

Cry1Ac+Cry1F

Dow AgroSciences

2009

 

Bollgard II

Cry2Ab+Cry1Ac

Monsanto

2009

 

TwinLink

Cry1Ab+Cry2Ae

Bayer

2011

Tabela 1. Caracterização dos tipos de tecnologias Bt em uso ou que já foram comercializadas no Brasil (Fonte: Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, 2018).

Nesse cenário, há extensiva exposição de uma praga-alvo à mesma tecnologia Bt e alta pressão seletiva para rápido surgimento de populações resistentes em algumas pragas-alvo da tecnologia Bt.

Assim, para melhor aproveitar as vantagens da tecnologia Bt, precisamos sabiamente amenizar o processo natural (pressão de seleção) por meio de estratégias de manejo da resistência de insetos à tecnologia Bt. Neste esforço, reconhecemos o valor da tecnologia Bt no manejo de pragas e a forte ameaça que é o fenômeno da resistência das pragas aos métodos de controle usados contra elas.

Entre as estratégias propostas para preservar a eficácia das plantas Bt estão a alta dose/refúgio e a piramidação de genes de Bt. Se adequadamente praticada, a alta-dose/refúgio é eficiente no manejo da resistência.

A alta dose (de bioinseticida produzido na planta Bt) serve para reduzir drasticamente a sobrevivência e reprodução de insetos parcialmente resistentes. O refúgio é uma parcela ou porcentagem da área cultivada destinada ao plantio ou manutenção de plantas não-Bt, onde uma certa quantidade da praga-alvo tenha condições de sobrevivência e reprodução e não seja exposta à pressão de seleção pela tecnologia Bt, incluindo bioinseticidas formulados.

Infelizmente, no Brasil grande parte das tecnologias Bt não atingem uma alta dose ao inseto-alvo por causa da baixa suscetibilidade inata de muitos dos insetos-alvo, principalmente lagartas Spodoptera, Helicoverpa e Chrysodeixis, e em uma baixa porcentagem das lavouras, há adoção e manejo adequado das áreas de refúgio. A consequência pode ser uma rápida perda da eficácia de certas tecnologias Bt, importantes, por exemplo, no manejo da lagarta do cartucho em milho e algodão.

A falta de adoção de refúgio pode ser uma das principais causas do rápido surgimento de populações resistentes a certas tecnologias Bt no Brasil e no mundo.

O objetivo do refúgio é ter insetos suscetíveis (ss) próximo da lavoura Bt para se acasalarem com eventuais insetos resistentes (rr) que sobreviverem nas plantas Bt, de tal forma que a prole consista de insetos parcialmente suscetíveis (rs). Nesta etapa entra em cena a alta dose de bioinseticida da cultura Bt para eliminar a maior parte da prole, na mesma safra ou em safras seguintes, assim agindo contrariamente ao aumento da proporção de insetos resistentes na população do inseto-alvo.

As áreas de refúgio devem ser formadas por um bloco não-Bt e podem ser alocadas aproveitando a disposição espacial do talhão ou lavoura. Se você deseja mais informações sobre o assunto clique aqui.

É importante que a distância entre área Bt e o refúgio não ultrapasse 800 metros, distância compatível com a autonomia de voo da maioria das mariposas que são pragas-alvo das culturas Bt, de forma a possibilitar cruzamentos entre insetos do refúgio e do cultivo Bt.

O percentual de área de refúgio recomendado para milho Bt é de 10%, e para algodão e soja Bt é de 20%. Além de adoção de áreas de refúgio, outras boas práticas agronômicas são recomendadas para os cultivos Bt, e você pode saber mais sobre elas na página https://www.corteva.com.br/boas-praticas-agricolas.html.

Pode pulverizar inseticida para controle de pragas nas áreas de refúgio?

Um frequente questionamento é sobre pulverizações de inseticidas para controle de pragas nas áreas de refúgio. Recordando, objetivo do refúgio é produzir insetos adultos suscetíveis em número suficiente para acasalarem com os eventuais insetos resistentes que sobreviverem nas plantas Bt e, com isto, gerar filhos também suscetíveis que são controlados pela tecnologia Bt e assim evitar rápido aumento dos insetos resistentes na população.

Por isso, devemos evitar excessivo controle da praga-alvo da cultura Bt nas áreas de refúgio e somente fazê-lo quando a infestação atingir o nível de controle.

Por outro lado, devemos considerar que o ataque de pragas não-alvo das plantas Bt (por exemplo, bicudo do algodoeiro, pragas sugadoras em geral) geralmente demandam tomada de decisão de controle populacional.

Nesta situação, é racional a intervenção com aplicação de inseticidas seletivos e, se disponíveis, outros métodos curativos, tais como liberação massal de inimigos naturais específicos da praga e pulverização com formulados de baculovírus ou de fungos entomopatogênicos. Isso deve ser feito de forma adequada de acordo com as peculiaridades de cada uma destas táticas e com orientação de um profissional competente.

Importante é evitar o uso de inseticidas a base de Bt contra as pragas-alvo dos cultivares Bt porque esses produtos exercem pressão seletiva em favor de insetos resistentes à tecnologia Bt, o que provocaria efeito contrário ao esperado nas áreas de refúgio.

A adequada tomada de decisão de controle deve ser baseada no adequado monitoramento das pragas da cultura, com intervenção somente quando for necessário e prudente.

Saiba mais sobre o impacto econômico do refúgio no curto e longo prazos, lendo o comunicado técnico disponível aqui.

Tecnogias Bt de segunda ou terceira geração

As cultivares Bt piramidadas, chamadas de tecnologia Bt de segunda ou de terceira geração, consistem de plantas que produzem conjuntamente de mais de uma proteína Bt (por exemplo, Cry1, Cry2, Vip3) com modos de ação independentes no inseto-alvo.

Essa estratégia permite melhorar a eficácia de controle de uma praga, expandir o espectro de espécies-praga controladas, e atrasar o desenvolvimento de resistência das pragas às culturas Bt.

Para melhor preservação da eficácia de controle das pragas, todos os tipos de proteínas Bt produzidas na planta devem ser tóxicas à praga-chave do sistema e devem exercer toxicidade de modo peculiar ao inseto, que geralmente se dá por ligação a diferentes sítios alvos no tubo digestivo larval.

Assim, a probabilidade de seleção de indivíduos com resistência às proteínas Bt conjuntamente é muito menor do que é a probabilidade seleção de indivíduos resistentes às proteínas usadas separadamente.

Por esta razão, a piramidação permite aumentar a vida útil das tecnologias Bt por prolongar o tempo para o surgimento de populações resistentes das pragas.

A integração de boas práticas agronômicas é fundamental

Para melhor aproveitar os benefícios do uso de plantas Bt piramidadas, as áreas de refúgio continuam a ser ter a mesma função importante para ‘diluição’ da resistência na população da praga.

É importante enfatizar que a utilização de culturas Bt não dispensa o uso de boas práticas agronômicas, pelo contrário, elas devem ser integradas ao sistema por causa da grande importância da tecnologia Bt no manejo de lagartas e larvas de alguns besouros e do grande desafio que é o problema de surgimento de populações resistentes das pragas-alvo.

Essa integração inclui adoção de áreas de refúgio aliado à estratégia de piramidação nos cultivos Bt e a adoção de práticas de manejo integrado em ambas as áreas Bt e de refúgio. Para isso, é preciso monitorar o agroecossistema para diagnosticar o problema e identificar corretamente as espécies-praga e agentes de mortalidade natural eventualmente presentes.

A densidade populacional desses organismos (pragas e inimigos naturais) deve ser amostrada para auxiliar na tomada de decisão, e por último, deve-se escolher a tática de controle mais adequada para a situação.

Se for aplicar um inseticida, é preciso saber correta e eficientemente como atingir o alvo do controle. Boas práticas agrícolas, tais como preservação e incremento da ação de inimigos naturais, práticas de manejo cultural, como dessecação e aplicação de inseticida para controle de pragas do cultivo anterior ou da vegetação espontânea, são fundamentais no manejo de pragas em cultivos Bt.

Todos precisam fazer sua parte

Finalmente, para bom uso das tecnologias de controle de pragas, todos os segmentos envolvidos na cadeia do agronegócio (produtores, técnicos, pesquisadores, fornecedores das tecnologias, agências governamentais reguladoras) devem estar cientes, sensibilizados e atentos à importância da tecnologia Bt para manejo de insetos-praga e à alta pressão seletiva exercida por essas tecnologias nas populações dos insetos-alvo.

Se isso for ignorado e medidas adequadas de manejo não forem empregadas, tais como adoção de áreas de refúgio e demais boas práticas agronômicas, rapidamente o Brasil perderá a eficácia das tecnologias de controle de praga-chave na agricultura, setor que é vital para nosso país.

Infelizmente, não há expectativa de lançamento de novas tecnologias para controle de lagartas na próxima década e são escassas as atuais tecnologias com boa eficácia contra esses e outros insetos-praga na agricultura, incluindo tecnologias Bt e inseticidas sintéticos.

Somado a isso, há uma crescente pressão da sociedade por maior segurança à saúde humana e ao ambiente, o que motiva autoridades nacionais a considerar o cessamento de registro legal de alguns inseticidas de largo espectro de ação (por exemplo, alguns organosfosforados, carbamatos, e outros). Portanto, precisamos racionalizar o uso das tecnologias que ainda tem adequada eficácia de controle contra importantes grupos de pragas.

Além disso, prováveis mudanças na economia mundial, com tendência à menor disponibilidade de novas tecnologias e maior valorização daquelas já disponíveis, chama a atenção para uma nova realidade, em que precisamos integrar diferentes estratégias de controle de pragas, maximizar a ação dos fatores de mortalidade natural de pragas no ambiente, e quem sabe, premiar de alguma forma os produtores que adotam práticas agronômicas responsáveis.

Em conjunto, essas práticas devem possibilitar o manejo racional das tecnologias de controle de pragas, visando preservação ou aumento da receita do produtor rural, da quantidade e da qualidade da produção agrícola, da saúde humana e do meio ambiente.

 

Sobre o autor

Eliseu José Guedes Pereira¹, Nilson Rodrigues da Silva², Oscar Fernando Santos Amaya³, Marcelo Mendes Rabelo⁴

¹Eng. Agr., Doutor em Entomologia, Professor Associado do Departamento de Entomologia, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG 36570-000, Brasil. ²Eng. Agr., Doutor em Entomologia, Professor Adjunto, Campus do Sertão, Universidade Federal de Sergipe, Nossa Senhora da Glória, SE, 49680-000, Brasil. ³Eng. Agr., Doutor em Entomologia, Bolsista de Pós-Doutorado Júnior no Departamento de Entomologia, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG 36570-000, Brasil. ⁴Doutorando em Entomologia, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG 36570-000, Brasil

Referências

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