O Brasil ocupa em torno de 7% de superfície com plantio de lavouras. Isso corresponde a 57 milhões de hectares e uma produção entre 200 e 210 milhões de toneladas. Esta produção crescente tem proporcionado ao Brasil grandes volumes de exportação, garantindo nossa economia. Hoje, o agronegócio brasileiro representa 23% do PIB, com um saldo superior a 80 bilhões de dólares. Dentro deste cenário, a soja se destaca com uma área plantada de 30 milhões de hectares e uma produção próxima a 100 milhões de toneladas. O complexo soja composto por grãos, farelo e óleo, registrou em 2014, receita de 31 bilhões de dólares.
Entretanto, além dos sérios problemas da porteira para fora – dentre eles, o sistema logístico para escoar nossa crescente produção – o agronegócio brasileiro passa por problemas também da porteira para dentro. Temos produtividade estagnada de soja em regiões produtoras importantes, custos se elevando a cada safra, práticas de manejo que poderiam dar maior sustentabilidade ao sistema no médio e longo prazos sendo abandonadas e o crescente uso de sementes não certificadas.
Quando vamos adquirir uma semente, plantadeira, pulverizador ou equipamento qualquer, ou mesmo aplicar fertilizante ou contratar mão de obra, nós precisamos ter claro o objetivo, para o que e como estamos fazendo esta aquisição, aplicação ou contratação.
Parece algo óbvio, mas nem sempre agimos assim. Muitas vezes decidimos pelo emocional, pelo operacional, pelo mais cômodo ou por acharmos que estamos reduzindo os custos ao invés de usarmos parâmetros técnicos ou racionais. Decisões equivocadas, precipitadas e imediatistas não resolvem o problema atual, e podem trazer outros problemas no médio prazo.
Um bom exemplo dessas decisões de caráter imediatista está no crescente uso de sementes não certificadas. Incluímos dentro desta “modalidade”, as sementes salvas para uso próprio e as “sementes piratas” ou “sementes ilegais”.
As sementes salvas para uso próprio são amparadas por lei, desde que sejam cumpridas determinadas regras, como: declaração de campo de produção especificando a cultivar, volume e local da produção, comprovação de origem das sementes usadas para a multiplicação e, outra regra muito importante, que as sementes sejam exclusivamente produzidas para uso próprio e plantadas em áreas em que o agricultor detenha posse da terra.
As “sementes piratas” são sementes comercializadas ilegalmente. A maior fonte de “sementes piratas” são as sementes salvas que, produzidas teoricamente para uso próprio, são multiplicadas em volume bem superior ao que o agricultor necessita. Desta forma, o excedente produzido de maneira planejada é comercializado ilegalmente.
As “sementes piratas” não têm amparo legal e, portanto, se caracterizam como comércio ilegal. A ABRASEM, Braspov e outras associações estão há vários anos combatendo o comércio ilegal de sementes. Isso, porque as empresas obtentoras precisam utilizar parte dos ganhos obtidos com a venda de sementes, para retroalimentar os programas de melhoramento e desenvolvimento de novas cultivares.
Hoje, temos soja e outras culturas que podem ser plantadas em várias regiões do Brasil, em diferentes épocas, viabilizando muitos sistemas de produção e muitas fronteiras agrícolas graças ao desenvolvimento de novas cultivares oriundas dos programas de melhoramento que se adaptam a essas condições de solo e ambiente. Entretanto, parece que isso não é levado em consideração. O agronegócio brasileiro cresce sustentado por uma genética adaptada às nossas condições e sistema de produção. Na safra 2002/03 plantávamos 44 milhões de hectares e produzíamos 122 milhões de toneladas. Após 13 safras, portanto, na safra 2014/15, plantamos 58 milhões de hectares com uma produção de 209 milhões de toneladas. Durante esse período aumentamos a área de plantio em 31,8% e a produção em 71,3%, mostrando a eficiência dos programas de melhoramento e desenvolvimento de novas cultivares.
Após a lei de proteção de cultivares publicada em 1998, os programas de melhoramento no Brasil tomaram um ritmo acelerado. Foi um período fértil, em que as empresas desenvolveram vários lançamentos de cultivares. Isso porque, a lei assegurava para quem desenvolvia as cultivares – os obtentores – a propriedade intelectual sobre a cultivar. Foi um período de muitas aquisições das empresas de sementes pelas empresas de químicos e de muitos novos entrantes neste mercado no mundo inteiro.
Mais tarde, em 2005, esse processo veio a se fortalecer pela lei de biossegurança, que proporcionou acesso aos agricultores brasileiros à biotecnologia já utilizada em outros países, a exemplo dos Estados Unidos.
Essas leis trouxeram muitos benefícios para os agricultores que tiveram acesso a mais e melhores opções em termos de cultivares e tecnologias, agregando importantes características em termos de ciclo, época de plantio, tolerância às doenças e até mesmo para alguns insetos. Esse conjunto de características viabilizou novos sistemas de produção e aberturas de fronteiras agrícolas. O desenvolvimento agrícola de estados como o Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia são bons exemplos. Isso sem falar no fato de viabilizar sistemas de produção como a safrinha de milho, que hoje representa cerca de 9 milhões de hectares.
Porém, pela atitude imediatista, hoje, temos no Brasil um comércio ilegal de sementes crescente. Não há uma estatística segura, mas se estima algo em torno de 3 a 4 milhões de hectares de soja produzidas e comercializadas ilegalmente. Isso sem falar de 3 milhões de hectares com sementes salvas para uso próprio, segundo pesquisa divulgada recentemente pela Kleffmann, que apesar de amparadas pela lei, desde que comprovadas por declaração de campo e de origem, afetam de maneira significativa o mercado. Estamos falando de algo em torno de 20% a 25% do mercado total que é de 30 milhões de hectares de soja.
Atualmente, esse sistema não está só restrito a soja, mas também ao trigo, algodão e ao milho, este, por meio do que estão rotulando de “cruzamentos caseiros” com áreas significativas no Paraná e Mato Grosso do Sul, principalmente. Recentemente, as empresas obtentoras e associações como a Abrasem, Braspov e Aprosmat, num trabalho integrado com o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), por meio de denúncias que geraram fiscalizações, muitas sementes ilegais foram apreendidas, principalmente no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso. Mas há necessidade urgente de mudanças na lei para se definir mais claramente os limites e as punições.
As sementes salvas e as “sementes ilegais” ou “piratas” estão afetando fortemente as empresas obtentoras, licenciadas e multiplicadoras. As obtentoras no sentido de que necessitam direcionar parte dos ganhos adquiridos com as vendas de suas sementes para retroalimentar os programas de pesquisa e desenvolvimento e, assim gerarem novas cultivares. Para os licenciados e multiplicadores como é o caso de muitas empresas e cooperativas, estão as dificuldades para viabilizarem sua estrutura de beneficiamento, por serem pegas de surpresa por ocasião das vendas que ficam muito abaixo do programado, além de outros aspectos.
A certificação de sementes garante e assegura qualidade das sementes produzidas e comercializadas. Sementes não certificadas não possuem garantia e podem, mascaradas por um menor preço, esconder problemas que geraram sérios prejuízos. Além de menor produtividade pela menor qualidade das sementes, elas podem disseminar patógenos por meio das “sementes” provocando sérios problemas fitossanitários que no futuro poderão elevar os custos na tentativa de solucionar e prejudicar seriamente o sistema de produção de muitas regiões produtoras. Esse é um problema cultural.
Claudio de Miranda Peixoto
Possui 35 anos dedicados à agricultura nacional, é engenheiro agrônomo e mestre em manejo de cultivos com MBA em marketing, especializado em comunicação e em gestão executiva. Atualmente é consultor e fundador da Mitra Consultoria Empresarial.